quinta-feira, 22 de maio de 2008

Se todos fossem iguais a você que maravilha seria viver



A carreira como autora de Zélia Gattai, morta no sábado aos 91 anos, começou tardia, em 1978, com as memórias da família de imigrantes italianos: Anarquistas, Graças a Deus. Seu corpo foi cremado e as cinzas foram depositadas sob uma árvore no quintal da casa que serviu de inspiração para uma de suas últimas obras, no bairro do Rio Vermelho.




E foi justamente no plano da memória que Zélia encontrou seu caminho como escritora. Tarefa que seria no mínimo assustadora para alguém íntimo de um autor do porte de Jorge Amado (1912-2001), seu companheiro por 56 anos, mas que a paulista assumiu sem o sobrenome famoso.
Filha e neta de imigrantes italianos, Zélia Gattai, memorialista, romancista e fotógrafa, nasceu em São Paulo, SP, no dia 2 de julho de 1916. É filha de Angelina Da Col e Ernesto Gattai, ambos italianos. Seu pai fazia parte do grupo de imigrantes políticos que chegou ao Brasil no fim do século XIX, para fundar a célebre "Colonia Cecília" - tentativa de criar uma comunidade anarquista na selva brasileira. A família de sua mãe, católica, veio para o Brasil após a Abolição da Escravatura para trabalhar nas plantações de café, em São Paulo.
Aos vinte anos, casou-se em São Paulo com o intelectual e militante do Partido Comunista, Aldo Veiga, com quem teve seu primeiro filho, Luiz Carlos. O casamento a aproximou de renomados intelectuais: Oswald de Andrade, Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Rubem Braga, Vinicius de Moraes, entre outros. Em 1938, seu pai, Ernesto Gattai, foi preso pela Polícia Política e Social de São Paulo, durante o Estado Novo, o que fez Zélia se tornar cada vez mais atuante na vida política.
Em 1945, separou-se de seu primeiro marido e conheceu Jorge Amado, durante o I Congresso de Escritores. Após um período de trabalho, militância e flerte, Jorge confessou seu amor por Zélia e os dois decidiram viver juntos. No ano seguinte, mudaram-se para o Rio de Janeiro, após o ingresso de Jorge na Assembléia Constituinte. Em 1948, Jorge e Zélia foram exilados e viveram na Europa por cinco anos. Nesse ínterim, nasceu Paloma, segunda filha do casal, natural de Praga. Neste período, o casal participou intensamente da vida cultural européia, ao lado de personalidades como Pablo Neruda, Nicolás Guillén, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Paul Éluard, Picasso, Fréderic Curie.


No início da década de 1960, o casal mudou-se para Salvador, Bahia, bairro do Rio Vermelho. Em 1978, Jorge e Zélia, após 33 anos de vida em comum, oficializaram a união.
Um ano após a mudança para a Bahia, aos 63 anos, Zélia lançou seu primeiro livro, o romance Anarquistas, graças a Deus, um relato da vida dos imigrantes italianos na São Paulo do começo do século. Filha de imigrantes italianos que chegaram a São Paulo no começo do século, Zélia conta histórias da sua família, composta por anarquistas que pregavam a fundação de uma sociedade sem leis, sem religião ou propriedade privada, em que mulheres e homens tivessem os mesmos direitos e deveres. Como pano de fundo, a descrição do cotidiano de uma cidade em desenvolvimento.
Em 1982, Zélia publicou Um chapéu para viagem, no qual conta histórias sobre o fim da Segunda Guerra Mundial, a queda da ditadura Vargas, a anistia dos presos políticos, a redemocratização do país. Senhora dona do baile, o terceiro livro, tem como cenário dois mundos separados por uma cortina de ferro e apresenta a seus leitores algumas das personagens mais importantes da História deste século.
Seu quarto livro, Jardim de Inverno, reúne recordações do exílio e do continente europeu dividido em leste e oeste. A obra recebeu o Prêmio Destaque do Ano e acabou gerando um convite para uma visita à Rússia de Gorbatchev e sua mulher Raissa. Crônica de uma namorada, publicado em 1995, embaralha personagens reais e fictícios para contar as experiências e emoções de uma adolescente que descobre, na São Paulo dos anos 1950, o amor.
Para o público mais jovem, dois livros: Pipistrelo das Mil Cores e O segredo da Rua 18.
Em 1999, Zélia lançou A casa do Rio Vermelho, coletânea das memórias do casal e da casa em que viveram durante 21 anos. Neste período, freqüentaram a sala de visitas do casal Gattai-Amado os mais ecléticos convidados do Brasil, Europa e América, desde Pablo Neruda até Antonio Carlos Magalhães. Em 2000, lançou Cittá di Roma e em 2001 Códigos de família.
Em 7 de dezembro de 2001, foi eleita para a Academia Brasileira de Letras, sucedendo a Jorge Amado, na Cadeira nº. 23, que tem como patrono José de Alencar.
Em Memorial do Amor (2002), seu novo livro, Zélia resgata junto com seus filhos Paola e João Jorge novas memórias de sua vida ao lado de Jorge Amado na casa do Rio Vermelho. Ao lado de Jorge, Zélia viveu 56 anos. Destes, 40 o casal passou na Bahia. Juntos procuraram, compraram e moraram na famosa casa por onde passaram algumas das mais significativas personalidades do século XX. Depois da morte de Jorge, Zélia achou que não fazia mais sentido ficar ali e decidiu abrir a casa para a legião de amigos e admiradores do escritor baiano. A casa do Rio Vermelho será transformada num museu.

Prêmios Recebidos
Prêmio Dante Alighieri (1980). Prêmio Revelação Literária, concedido pela Associação de Imprensa (1980). Diploma de Sócia Benemérita da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel. Placa "As dez mulheres mais bem sucedidas do Brasil" pela Mac Keen (1980). Título de Sócia Benemérita do Clube Baiano da Trova (1981). Título de Cidadã Honorária da Cidade de Salvador, Bahia, concedido pela Câmara Municipal da Cidade (1984). Título de Cidadã Honorária da Cidade de Mirabeau (1985). Título no grau de Grande Oficial da Ordem do Infante Dom Henrique, concedido pelo governo português (1986). Homenagem da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel que lhe concede o diploma de Madrinha dos Trovadores. Medalha do Mérito Castro Alves, da Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Bahia (1987). Diploma de Reconhecimento do Povo Carioca pelos relevantes serviços prestados à Cultura e ao Turismo, da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Prêmio Destaque do Ano (1988). O Conselho Nacional da Mulher a declara eleita A Mulher do Ano (1989). Diploma de Magnífica Amiga dos Trovadores Capixabas, Espírito Santo (1991). Comenda das Artes e das Letras dada pela ministra da França, Caterine Trautmann (1998). Comenda Maria Quitéria pela Câmara Municipal de Salvador (1999). A criação e instituição da Fundação de Cultura e Turismo Zélia Gattai, pela Prefeitura de Taperoá (2001).
Zélia também foi responsável por documentar diversos momentos da vida do marido em fotografias. O resultado de anos de cliques da paulista pode ser visto em Reportagem Incompleta, livro lançado em 1987 que é a biografia de Jorge Amado amarrada por imagens captadas pelo olhar privilegiado da companheira. Uma paixão fulminante que transformou Zélia, de fã do romancista a companheira de vida em apenas dois meses.
Outra vertente da carreira da viúva de Jorge Amado é a literatura infantil. A estréia no gênero foi com Pipistrelo das Mil Cores, em 1989. Empolgada, lançou dois anos depois O Segredo da Rua 18. Jonas e a Sereia, de 2000, foi sua última incursão no texto para crianças. Como romancista, tem um único título Crônica de Uma Namorada (1995).
Uma mulher muito culta, divertida e vivaz. Assim era Zélia Gattai Amado àqueles que a conheciam. Porém, a cumplicidade com Jorge Amado era uma das coisas mais notáveis em sua personalidade. Mesmo depois da morte dele. "Parecia uma paixão que nasceu da admiração mútua que um tinha pelo outro", diz a escritora Dalila Teles Veras, de Santo André, que conheceu a memorialista em dezembro de 2002, quando ela veio participar do lançamento de uma escultura de Ricardo Amadasi em homenagem ao autor baiano, instalada na livraria de Dalila, a Alpharrabio. Na época Paulistana do bairro do Paraíso, Zélia já tinha uma relação com o Grande ABC na época retratada em seu primeiro livro de memórias. A mãe, Angelina Da Col, tinha tinha parentes em São Caetano e as duas vinham de maria-fumaça e jardineira visitar a família. Anos mais tarde, passou a trocar correspondências com Rafael Zaia, bisneto de uma de suas primas que moravam na região.
Embora tenha corrido o mundo e travado contato com intelectuais, graças ao trabalho de Jorge Amado - moraram no Rio, na República Tcheca (onde a caçula Paloma nasceu) e na França antes de se estabelecer em Salvador em 1963 - Zélia já tinha uma grande bagagem intelectual e militante. O primeiro marido, Aldo Veiga (relação da qual nasceu o primogênito Luiz Carlos), fez com que ela travasse contato com gente como Tarsila do Amaral, Rubem Braga e Vinicius de Moraes.
Apesar de tantas influências advindas do convívio social dos maridos, a memorialista conquistou espaço e respeito graças a seu temperamento atrevio. "Ela assimilou esses contatos e mesclou sua vivência com a baianidade do Jorge Amado. Era uma mulher muito forte e doce", comenta Dalila.

Fontes:
Ângela Corrêa ( Diário do Grande ABC)

Vai um link do livro Anarquistas Graças a Deus , na integra:

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